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marcos piangers @UCws74wM8kyNp9r3sZCgm_qg@youtube.com

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Pai da Anita e de Aurora, autor do best-seller O Papai é Pop


Welcoem to posts!!

in the future - u will be able to do some more stuff here,,,!! like pat catgirl- i mean um yeah... for now u can only see others's posts :c

marcos piangers
Posted 5 months ago

Dias longos, anos curtos

Quando nosso filho chega, aquilo é tão intenso. Pra maioria das pessoas, a vida já é puxada sem uma criança. Trânsito, trabalho, casa pra limpar. Acrescente um bebê, e você acha que vai ficar maluco. Lembro que eu e Ana estávamos sempre cansados, olhos vermelho, sono atrasado, stress em níveis altíssimos. Durou uns seis meses até acertarmos a agenda, entender o sono do bebê, ajeitas as sonecas, sincronizar nosso cansaço com o da minha filhinha. O primeiro ano você sofre todos os dias, e acha que a partir de agora sua vida vai ser assim. Com um agravante: a casa está uma zona. Você não está cuidando de você mesmo. A louça se acumula. O sofá está vomitado.

Não acho que temos que morar em uma algazarra, mas se você não consegue arrumar a casa, ok. Se você não consegue lavar a louça agora, ok. Se o sofá está vomitado, ok. Se seu cabelo faz você parecer a Helena Boham Carter, ok. Agora não é hora de mais stress, é hora de relaxar com aquilo que não conseguimos fazer. Este é o momento do caos. Aceite o caos, ria do caos, conviva com o caos. O segundo ano terá outros desafios, seu filho quer subir e pegar todas as coisas proibidas, e assim vão os três, quatro, cinco e seis anos.

Aos sete você nota que algo mudou. Aos oito seu filho espicha. Aos nove, acontecem coisas na escola que você fica sabendo por outras pessoas. Aos dez, seu bebê começa a não querer ficar tão grudado. Aos doze, já terá passado 70% de todo o tempo que vocês terão juntos. E assim, a pré-adolescência e a adolescência, quando você vê seu filho vira um vulto, passa de vez em quando por você em casa. Aos 18 anos, 90% do tempo que vocês tinham juntos já foi.

Agora, seu filho terá outras pessoas favoritas. Seus amigos, seu ídolos, seus amores. Logo, seus próprios filhos. Aquela intensidade dos primeiros anos, que parecia durar pra sempre, acaba assim. E logo, você nota que os dias eram longos. Mas os anos curtos.

470 - 15

marcos piangers
Posted 6 months ago

Pousei. Te amo.

O avião chacoalha da primeira vez, alguém grita “ooopa!” brincando, o colega ao lado sorri nervoso. Depois vem mais um chacoalhão. As pessoas começam a conversar alto. Um passageiro sempre começa a rir. Mais um chacoalhão, as luzes de atar cinto se acendem. A aeromoça passa correndo. Seguramos o apoio da poltrona com força. Nossa testa começa a suar. Lá fora nuvens esbarram na lataria do avião. Luzes piscam na noite chuvosa. Olhamos curiosos pela janela. Será hoje o dia? Não há igreja mais fervorosa do que um avião no céu em turbulência.

Do que me arrependo quando treme o avião? De não ter caminhado mais na praia. De ter conversado no telefone com a minha mãe com pressa demais. De não ter visto mais meus amigos de infância. De não ter realizado o sonho de morar no exterior. De não ter aprendido a tocar piano. De não ter ficado amigo de gente que eu admiro. Gostaria de ter me despedido das minhas filhas. Dizer que tudo ficará bem. Dizer que espero que sejam fortes. Dizer que eu gostaria de mais um minuto abraçado com elas.

Me faltou tempo. Quando fiquei em um trabalho que odiava. Quando fiz coisas por dinheiro. Quando achei que não tinha mais tempo pra mudar. Devia ter mudado. Eu tinha tempo! A coisa mais importante, aquela que não percebemos quando está se indo. Tempo. Se eu soubesse que seria hoje teria valorizado mais os domingos, os sábados, as férias, os feriados. Teria trabalhado equilibradamente. Perderia menos tempo com a tv, apagaria as redes sociais. Aproveitaria mais a vida, o sol, o vento. Conversaria mais. Daria mais risada.

Um solavanco final. Plim. As luzes de atar cintos se apagam. A senhora que rezava ao lado faz o sinal da cruz. Passageiros respiram aliviados. Seco o suor com um guardanapo. O serviço de bordo distribui águas. Todos comentam algo, que susto, isso nunca tinha me acontecido, meu deus que alivio. O capitão avisa que estamos em procedimento de pouso. Em mais vinte minutos chegaremos ao destino. Espero o celular pegar sinal. A aeromoça diz que já é possível usar o telefone. Mando uma mensagem pra minha esposa.

Pousei. Te amo.

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marcos piangers
Posted 6 months ago

Era isso que eu temia

Você acha o seu trabalho tão importante. Você TEM que mandar um e-mail, você TEM que fazer uma ligação, você TEM que marcar uma reunião urgente, TEM que passar o fim de semana trabalhando, TEM que cancelar aquele almoço com os amigos, o trabalho chama. O trabalho sempre chama.

Ano passado, encontrei um jovem que me disse que a fase mais feliz da vida dele foi quando a empresa do pai quebrou. “Ele teve que recomeçar e eu, aos 14 anos, tive que ajudá-lo na empresa nova. Com o passar do tempo, meu pai criou uma tradição: íamos toda quarta-feira no cinema, depois do trabalho. Era o dia de ingresso barato, a pipoca custava quatro reais. Víamos o filme e voltávamos pra casa. Esses momentos das quartas-feiras nos uniram de uma maneira linda. O cara é meu ídolo até hoje”, ele me disse.

Passamos a vida trabalhando, preocupados com tanta coisa pra fazer, tentando manter uma certa qualidade de vida, com o medo terrível de, Deus nos livre, ter um dia que recomeçar. Imagine colocar nossos filhos em alguma privação! Imagine que pesadelo nossos filhos nos verem quebrar! Nossos filhos desejam coisas mais modestas: desenhar em um papel, poder correr na calçada, ter um pai que não grita com eles. Uma quarta-feira no cinema, pai e filho voltando pra casa, ajudando um ao outro a entender que as prisões que a gente entra são imaginárias e auto impostas. O que temos hoje só é lindo se for apreciado. Se for angústia e nervosismo, já é o próprio inferno. Do que você tem medo?

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marcos piangers
Posted 6 months ago

Mesa cheia

Quando minha primeira filha era pequena, fomos conhecer o nordeste brasileiro e ficamos hospedados na casa de amigos que tinham quatro filhos. No quarto deles, a cama era imensa. “Dormimos todos amontoados”, nos disse o pai, sorrindo feliz. Foi uma dessas pequenas e bonitas influências na nossa vida. Acabamos comprando, nós também, uma cama enorme para que nossas filhas se sentissem bem-vindas. Outra coisa que sempre tivemos grande: uma mesa para receber amigos.

Esses dias, ouvi um milionário americano falando, talvez fosse até bilionário, não tenho certeza, sobre o que ele considera sucesso. Era uma dessas entrevistas das quais a internet está cheia: como você conseguiu juntar essa quantidade fascinante de dinheiro e quais as dicas que pode nos dar. Em determinado momento o milionário falou: “Quer saber o que é sucesso de verdade? Seus filhos quererem passar tempo com você depois de velhos”.

O entrevistador estava ali querendo saber qual era a rotina diária daquele senhor bem sucedido, o que pra mim é tão absurdo quanto perguntar ao Picasso o que comia no café da manhã ou qual seu pincel favorito. O fato é que as pessoas bem sucedidas financeiramente chegaram lá de várias maneiras: entrar em um negócio na hora certa, um sócio genial, aquilo que você é apaixonado coincidiu de ser algo extremamente bem remunerado nesse pedaço do mundo, nesse exato momento do universo.

Aquele senhor rico foi enfático: sucesso de verdade é ter a mesa cheia nos finais de semana. É quando seus filhos querem almoçar com você, conversar com você, viajar com você até o final da sua vida. Quando você não está rodeado de interesseiros, mas de gente que te ama de verdade. Seremos ricos ou pobres por acaso, por motivos que muitas vezes não podemos controlar. Onde nascemos, como eram nossos pais, quem eram nossos amigos, o que nos ensinaram, se nossos interesses tinham valor monetário na sociedade em que vivemos.

Contudo, algo que podemos controlar é o nosso sucesso entre nossos amores. Sendo bons pais, bons parceiros e bons amigos, cultivamos afetos para o resto da vida.
O verdadeiro sucesso não está ter uma conta bancária cheia de dinheiro. Está em uma mesa cheia. Uma mesa cheia de pessoas que nos amam verdadeiramente.

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marcos piangers
Posted 7 months ago

Príncipes e Soldados

Há os pais que acreditam que devem tratar os filhos como príncipes, fazendo tudo por eles, e os pais que acreditam que devem tratar os filhos como soldados, pois o mundo é uma guerra e eles precisam estar preparados. Não sei se você é de família nobre ou se lutaremos juntos a terceira guerra mundial, mas a verdade é que, provavelmente, seu filho não será nem uma coisa nem outra.

Fazer tudo pelo seu filho não é amor. A sensação de ser amado por uma criança é tão maravilhosa que, de certa forma, ficamos viciados nela. Ao dar tudo para nosso filho, ao fazer o que ele consegue fazer sozinho, nos sentimos de novo a pessoa favorita dos pequenos. Uma sensação gostosa, mas não é esse o papel dos pais. Vamos ter que tratar nossas próprias carências de outra maneira. Nosso papel não é comprar o amor do nosso filho com presentes e serviço. Quando não ensinamos aos nossos filhos a importância do esforço, do respeito e da autonomia, estamos criando-os mal.

Da mesma forma, nosso papel não é tornar a vida deles mais difícil. Já é difícil demais ser uma criança, superar todos os dias um desafio, estar crescendo sem entender direito as emoções, explodindo em raiva e frustração, já é complicado não poder fazer nada - não corre! não grita! não pula! não pega! - então, por favor, precisamos ter compaixão.

Tudo o que é essencial para que vivam bem (carinho, atenção, sono, alimentação saudável, exercício) é nossa obrigação. Dá trabalho. Tudo o que eles conseguem fazer sozinhos, incentivamos que façam, ás vezes com dor no coração. Muitos pais fazem exatamente o contrário: negligenciam as necessidades, atendem os desejos. Depois, se perguntam onde foi que erraram. Não queremos reis mimados, nem guerreiros traumatizados. Pode parecer difícil criar filhos inteiros, mas é mais fácil do que consertar adultos quebrados.

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marcos piangers
Posted 7 months ago

Férias

Viajei com minhas meninas, só eu e elas, por quinze dias, e dormimos e e acordamos todos os dias no mesmo quarto, dividimos o banheiro, espalhamos roupas pelo chão, cantamos músicas da Dua Lipa juntos, glitter no céu, glitter nos meus olhos, brilhando exatamente do jeito que eu gosto.

Não mandei e-mails, não postei no Instagram, não sei da última polêmica do BBB, não li notícias. Minhas filhas não têm redes sociais. As fotos e vídeos maravilhosos não serão postados. Ficamos off, como dizem.

É engraçado que, se você ficar fora das redes por um tempo, as pessoas dizem que você ficou desconectado. Olhávamos o céu e o pôr do sol, sentíamos o cheiro da chuva e da comida, conversamos com pessoas que não conhecíamos, descobrimos nossas novas melhores memórias, conversamos sobre tudo. Não estávamos desconectados. Estávamos plenamente conectados, com a vida, com o agora. Se você parar pra pensar, esse papo de estar desconectado é pra quem está com o celular ligado.

Daqui a cinquenta anos, seus filhos não vão falar para os amigos daquilo que você deu pra eles de presente de aniversário ou qual creche você escolheu. Eles vão lembrar da sua energia, se você era uma pessoa que ria, se vocês viajavam juntos, brincavam juntos, dançavam juntos. Se vocês se apoiavam e choravam juntos. Se se conheciam. A vida é uma despedida constante e a única regra do passeio é essa: você tem que aproveitar com as pessoas que ama.

Em casa, cada um no seu dever, escola, tarefa, louça, boleto. De noite, música da viagem, lembranças e risadas, idiotas dançando na sala. “Ei, mundo! Estamos off!”, como dizem. E é como se as férias pudessem ser todo dia.

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marcos piangers
Posted 9 months ago

Sonhos

Grande mistério da humanidade, descritos pelos antigos como premonições, pela psicologia como obsessões, agora a neurociência diz que sonhos são treinamentos para situações difíceis que podemos vir a experimentar na vida real. Me pergunto se me ajudou em algo sonhar que estava completamente nu na escola. Se era pra me preparar para as situações difíceis da vida real, por que cargas d’água meu cérebro nunca sonhou com as provas de química orgânica?

Costumo sonhar com o mar, com amigos que não vejo faz tempo, com a mistura de lugares do mundo que visitei e outros que conheço apenas de fotos. Já percebi, em um sonho, que poderia controlá-lo, mas imediatamente acordei. Jamais experimentei sonhos lúcidos. Dizem que é uma experiência fabulosa. Por vezes, eu e Ana sonhamos as mesmas coisas. Já sonhamos os dois, cada um no seu sonho, com Caetano Veloso fazendo um show. Já sonhamos os dois, na mesma noite, com o mais terrível pesadelo dos pais, que havíamos perdido nossas filhas. Não importa quantas vezes eu sonhe com isso, sempre apavorado. Ao perceber que era apenas um sonho, me encho de alívio agradecido.

Sonho muito com água. Já lidei com uma enchente na Tailândia ao lado de Casey Nastet, um youtuber que eu acompanho. Já caí dirigindo de uma estrada no Rio de Janeiro e me esborrachei na Baía de Guanabara. Já estive em um barco no meio do mar, ouvindo samba com uma amiga e, no dia seguinte, recebo mensagem desta amiga, dizendo que sonhou comigo. Vai entender. Em certas noites, depois de dizer boa noite pra minha filha, digo: “nos encontramos nos sonhos!”. Mas não lembro de acontecer.

Aurora sonhou, dia desses, com uma bruxa de duas cabeças, uma delas parecia uma cobra. Como em um filme do Harry Potter, me disse, tinha que enganar a bruxa e salvar uma amiga da escola que ficava, segundo suas palavras pouco gentis, “parada como uma palerma”. Quando escaparam da bruxa, juntaram-se à um grupo de amigos que planejava a fuga em um helicóptero caindo aos pedaços. Isso definitivamente não vá dar certo, ela pensou. E então, acordou. “Será que posso continuar o sonho amanhã, pai? Como se fosse um seriado?”. Dizem que é possível. Dizem que, com treino e concentração, é possível controlar os sonhos. Ela disse que tentará essa noite. Eu tentarei encontrá-la.

193 - 2

marcos piangers
Posted 10 months ago

Crianças são pessoas

Ouvi que um cara famoso em um programa famoso disse, esses dias, que bateu no filho pequeno e ele nunca mais foi mal educado. Me lembrei imediatamente dos anos 70, quando alguns achavam ok bater em gays e diziam publicamente que estes precisavam apanhar para largar a “opção de vida”. Ou dos anos 80, quando se aceitava que maridos batessem nas esposas e ainda se dizia: “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Bater em crianças é uma daquelas coisas que a sociedade ainda acredita ser assunto íntimo. “Ninguém deve se meter na criação dos filhos dos outros”, dizem. Mas esses filhos vão crescer e conviver com nossos filhos e netos. Todo mundo deveria se meter na criação de crianças que apanham. Deveria ser um assunto público.

A criança que apanha, ou sofre gritos e castigos, vai passar essa violência adiante. Com um irmão menor, um colega de escola, um amigo. Ou pior, vai guardar a mágoa dentro de si, se transformando em um adulto que se sente injustiçado pelo mundo e pela vida. Um marido que explode. Um pai violento. Uma hora esse tapa vai voltar. Talvez em alguém que a gente ama.

Convido qualquer pessoa a substituir a palavra “criança” por qualquer outra. Tipo: “Minha esposa me respondeu de forma desrespeitosa e dei um tapa na cara dela. O beiço dela ficou todo inchado, parecia o Patolino, hahaha. Nunca mais me respondeu”. Coloque ali “avó” ou “colega” ou “funcionário”. Um comentário como esse ia passar despercebido? Diriam que cada um tem seu jeito de educar? Uma criança é um ser inferior, que merece ser tratada como nenhuma outra pessoa merece?

Nos últimos anos, evoluímos em tantas questões. Aprendemos a respeitar, conviver e até amar, rompendo com nossas crenças mais antigas e enraizadas. É possível criar filhos sem violência. Basta tratá-las como tratamos as outras pessoas. Pode não parecer, pelo jeito que a tratamos, mas crianças são pessoas. Crianças são pessoas.

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marcos piangers
Posted 10 months ago

Os heróis das minhas filhas

Qual não foi nosso deslumbramento quando vimos uma menina correndo pela área comum do condomínio vestida de Lady Bug? Gritei pra menina: "onde você comprou essa fantasia maravilhosa", mas a menina corria tão rápido que não me respondeu. Certamente, estava envolvida em alguma perseguição importante. A Aurora puxou minha camisa e perguntou se era a Lady Bug de verdade. Eu nunca sei o que responder nessas horas. Eu disse que, aparentemente, era.

Quando assisti Star Wars com minha filha mais velha ela tinha oito anos e ficou fascinada pela princesa Leia. Uma mulher forte que lutava contra o lado negro da força de igual para igual. Mas nas lojas é difícil achar produtos que não sejam do Luke, do Hans Solo e do Chewbacca. Fiquei empolgado quando descobri que a personagem principal de um dos novos Star Wars, lançado há alguns anos, era uma menina chamada Rey. Mas, mesmo depois do filme lançado e de ter sido um sucesso de mais de um bilhão de dólares, é dificílimo encontrar bonecas ou fantasias da Rey. Só dá BB-8.

O mesmo vale para os filmes dos X-men e Vingadores: todas as personagens femininas são ignoradas nas lojas de brinquedos e fantasias. Há alguns anos, me lembro de ver que o brinquedo mais vendido entre os meninos eram as arminhas Nerf e entre as meninas era uma pia de lavar louça.

Minhas filhas ficam um pouco frustradas com a restrição: meninos devem ser heróis, meninas devem ser princesas. Frozen foi legal, Anna e a Elsa são fortes e não ficam esperando um príncipe para salvá-las, como em todo conto de fadas da Disney. Não quero que minhas filhas fiquem esperando um príncipe encantado. Quero que elas tenham a chance de serem suas próprias heroínas. Seja fantasiadas de Lady Bug combatendo inimigos imaginários, ou seja na vida real, combatendo os percalços da vida adulta. Que a força esteja com você, filha.

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marcos piangers
Posted 10 months ago

Viver é saudade prévia


Me lembro, como se fosse ontem, daquela vez que saí do apartamento para comprar fraldas, cheio de sono e cansaço, filha pequena que não parava de chorar. No corredor de fraldas ouvi o som ambiente do supermercado tocar Você é Linda, do Caetano, e olhando uma parede colorida de embalagens vermelhas, azuis e brancas, todas elas com bebês sorridentes, comecei a chorar de saudade de agora. Minha filha pequena era uma onda do mar, do amor, que bateu em mim e pelos próximos anos eu teria uma menininha pra cuidar, proporcionaria a ela a relação paternal que me faltou, meu pai biológico fujão, eu não sou meu pai, filha, eu estou aqui por você, essa canção é só pra dizer e diz.

Não era a água da Penha, mas refletida naquelas embalagens cafonas dos pacotes de fraldas vi minha filha crescer. Do RN para o P, para o M, para o G, vi nas embalagens crianças de pé usando fraldas, XG, XXG, e evitei continuar pelo corredor até a parte das fraldas geriátricas. Dali a alguns meses a pequena não seria mais pequena, diria adeus para as fraldas, caminharia, falaria, leria bola, Ivo viu a uva, pediria dinheiro para o lanche, passaria o final de semana em Salvador. A paternidade é essa terapia que os homens fazem, essa chance de aprender que homem chora, sente, intui, percebe, se arrepende; homem diz “eu te amo”, “me desculpa”, “alguém me ajude pois estou perdido”, essa última improvável, mas possível. E o homem, que só ama o casamento quando ouve pedido de divórcio, que só ama o trabalho quando recebe a demissão, que só ama a vida quando sai do hospital, tem uma chance. Uma chance de mudar pelo amor.

O filho que chega é uma chance.

O jogador de futebol.
O vendedor.
O motorista de aplicativo.
O aspirante a ator.
Todos suspiram.
Uma chance.
Só preciso de uma chance.
É isso que é uma criança.
Um filho que chega é uma chance.

Durante os próximos anos vamos ter nosso amor correspondido com risadinhas, depois apaixonadamente correspondido com cartinhas mal desenhadas onde se pode ler “para o melhor pai do mundo” com os erres virados para o lado errado. Veremos o brilho nos olhos da criança, esse é o nosso pagamento. Contudo, cada centímetro que crescem anotado com lápis na parede do quarto, estão se despedindo. O papel do pai é tornar-se obsoleto. É desaparecer da vida dos filhos com o passar do tempo. A vida é uma despedida incessante.

Já passaram quase vinte anos daquele dia no supermercado em que mirei o futuro, e vi minha filha crescer antes disso. Filhos são mesmo flechas, como escreve Gibran, e os pais são arcos que se envergam para que cheguem o mais longe possível. Dói a despedida constante do filho, cada vez que fazem algo sozinhos pela primeira vez estão também nos dizendo adeus. Eu e minha filha estamos, agora, naquela fase em que ela já faz tudo sozinha. Eu, carente, paro tudo o que estou fazendo se ela me convida para um café. Nos despedimos, dou um abraço apertado, e ela me deixa a rua deserta, quando atravessa, e não olha pra trás.

295 - 11